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Pesquisadores do PPGE publicam nota de opinião sólida e fundamentada contra o Marco Temporal das Terras Indígenas

BIODIVERSIDADE E DIREITOS INDÍGENAS SOB PRESSÃO: O DEBATE SOBRE O MARCO TEMPORAL

Publicada em 31.01.2025

As Terras Indígenas (TIs) abrangem cerca de 37% das áreas com vegetação nativa remanescentes do planeta, representando territórios fundamentais para a conservação da biodiversidade, promoção de serviços ecossistêmicos e na resiliência climática. No Brasil, as TIs cobrem 13,82% do território nacional e são, desde sempre, o lar de mais de 283 grupos indígenas. Além de protegerem a biodiversidade, essas áreas garantem a proteção e a perpetuação de culturas e conhecimentos tradicionais fundamentais para o manejo da biodiversidade e manutenção das práticas ancestrais. Contudo, está em curso no Brasil um debate que não considera nada do que foi exposto acima. Trata-se do Projeto de Lei "Marco Temporal" das terras indígenas, que representa uma ameaça direta à integridade das comunidades indígenas. Com este foco de discussão, um artigo de opinião escrito por brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi recém publicado na revista Tropical Conservation Science.

O Marco Temporal define que apenas as terras ocupadas por povos indígenas até 5 de outubro de 1988 podem ser demarcadas. Apesar de ter sido considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2023, o projeto foi aprovado pelo Senado no mesmo ano, evidenciando uma crescente pressão política contra os direitos indígenas. Essa proposta abre caminho para o desmatamento ilegal, e consequentemente a perda de biodiversidade e o aumento de conflitos territoriais.

Bruno Umbelino, autor e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRJ, enfatizou a importância de garantir os direitos das comunidades indígenas e a conservação da biodiversidade contando com todos os atores possíveis, visto que o controle do desmatamento ainda é um estressor para estabelecer estratégias efetivas de conservação. “Este projeto de lei mal embasado e com justificativas vazias representa a esquizofrenia da política ambiental no Brasil!”, afirmou ele.  

As TIs contribuem significativamente para a conservação da biodiversidade em diversos níveis, incluindo genético, de espécies e de ecossistemas. E importante ainda ressaltar a importância de poder considerar o conhecimento tradicional indígena para a gestão ambiental. Um dos pontos cruciais defendidos pelos autores do estudo, é que o PL vai impulsionar um mecanismo que já vem acontecendo com as Unidades de Conservação, que é a mudança no status de conservação das áreas protegidas (degazettment em inglês). Isso representa a exclusão e/ou extinção da proteção legal para todo o território de uma área protegida, resultando na perda irreversível de espécies e ecossistemas, comprometendo serviços ambientais essenciais como sequestro de carbono e regulação climática. Além disso, a perda do conhecimento ancestral, como o relacionado a plantas medicinais e representa um potencial retrocesso cultural e científico, pois estaremos perdendo informações empíricas coletadas durante séculos.

A implementação do MT também compromete a segurança alimentar das comunidades indígenas, aumentando a dependência de sistemas alimentares externos e menos sustentáveis, enfraquecendo os princípios democráticos e de justiça social, colocando em risco a estabilidade política e ambiental do país. A resistência a essa legislação não é apenas uma questão local, mas também uma preocupação global, dada a importância do Brasil na conservação da biodiversidade frente aos esforços de amenizar os eventos extremos causados pelas mudanças climáticas.

Helena Alves-Pinto, co-autora do estudo afirma “O Marco Temporal afeta a integridade dos povos indígenas e todas as cosmologias preservadas por eles. Perder isso é perder a identidade de uma nação, e a oportunidade de aprendermos diferentes tipos de relações com a natureza”.

A aprovação do Marco Temporal seria um retrocesso significativo nos esforços de conservação ambiental, na proteção dos direitos indígenas e na promoção da justiça social. É imperativo fortalecer as iniciativas de demarcação e proteção das TIs, reconhecendo seu papel central na manutenção da biodiversidade, na regulação climática e na preservação cultural. A colaboração entre governos, comunidades indígenas e organizações internacionais é essencial para assegurar um futuro mais justo e sustentável para as gerações futuras.